O ponto de partida é o mesmo da história escrita pelos irmãos Grimm, embora de cara já demonstre uma diferença fundamental. Ao espetar o dedo no espinho de uma rosa solitária em meio à neve no jardim do castelo, a rainha de um reino indeterminado deseja que a filha em seu ventre seja "branca como a neve, com cabelos pretos como o corvo e forte como esta rosa". A alusão à força, ausente do conto de fadas, é uma das muitas liberdades que os roteiristas (entre eles o iraniano Hossein Amini, de "Drive") tomaram e pavimenta o caminho para que depois Branca de Neve vire, digamos, uma guerreira, mesmo que improvável.

Trafegar por essa atmosfera pode ser arriscado, mas o acerto de "Branca de Neve e o Caçador" é, na medida do possível, tentar manter os pés na realidade e abolir os sinais de doçura que o conto de fadas, celebrizado pela Disney, ganhou com o tempo. O universo fantosioso de Sanders é impiedoso e ameaçador, com pobreza evidente, lama por todos os lados, sinais de podridão e anões que dizem gostar de matar mulheres.
A madrasta Ravenna, interpretada por Charlize Theron, simboliza bem essa visão de mundo e é o que o filme tem de melhor. Ela se casa com o pai de Branca de Neve, um rei viúvo, e na noite de núpcias já diz a que veio: "As mulheres são usadas pelos homens e depois jogadas como sobras aos cachorros", afirma, num surto feminista, para depois tomar o trono e finalmente se tornar rainha má.